Postagens

Mostrando postagens de abril, 2011

A UM PESSIMISTA

Imagem
Olhas o céu e o céu, todo em atra gangrena, Se te mostra corroendo as rútilas esferas. Baixas à terra o olhar e a terra, em outras eras, Plena de gozo e amor, ora é de horrores plena. Sangra a etérea região, sangra a região terrena E o horizonte, que as une, inda mais dilacera-as. E as próprias linhas — louco! em que a sânie verberas, Podres vêm ao papel, podres brotam-te à pena. Mas, se ao céu e se à terra, e se ao horizonte e ao verso, Asco e náusea tressuando, a podridão atrelas E nela vês tombar e fundir-se o universo, Sobe do chão o olhar, baixa-o das nuvens belas E volve-o dentro em ti, pois fora o tens imerso Na própria irradiação das tuas próprias mazelas [Emílio de Meneses]

CAMPO SANTO

Imagem
Eis-me afinal de novo entre os meus bons convivas, Só com meus sonhos,só,com a minha saudade, E as mortas ilusões e ilusões redivivas De que o morto passado a alma toda me invade. Porque se me hão de impor,fortes e decisivas, As descrenças dos que,sem fé,sem caridade, Sem esperança,vêm dessas alternativas De mal fingido amor e fingida piedade? Sinto-me preso aqui.Entre angústias me envolvo, -Esfinge que se envolve entre os arcais da Líbia - Mas o fatal problema entre audácias resolvo Alma!que importa a dor que te devora?Exibe-a Ante a morte que em seus tentáculos de polvo Mói crânio contra crânio e tíbia contra tíbia! Emilio de Meneses

MESMICE

Imagem
Quisera eu pôr nestes quatorze versos Um leve, fino, alegre comentário A algum novo e notável caso diário, Entre os casos urbanos mais diversos. Percorro dos jornais o noticiário, Leio artigos e tópicos dispersos, A pedidos satânicos, perversos, Desastres, crimes, contos-do-vigário. Nada encontro que inspire à alegre musa Uma nota satírica e atrevida Que nos nervos um frêmito produza. É sempre a mesma coisa repetida: Luza o sol, venha a noite, o sol reluza, Como o banal, se reproduz a vida! Emilio de Meneses

O RIO GUERREIRO

Imagem
Rota a vertente, a rocha rebentando, Impetuoso em esguicho o campo irrora; Regato agora, agora largo e brando, De branca espuma a superfície enflora. Logo torrente o crespo dorsa impando, - Quer seja noite, quer o veja a aurora – Légua a légua o terreno conquistando, Vai caudaloso pelo vale em fora. Ei-lo afinal - o forte curso findo, Num esforço estupendo, soberano. Fero, revolto, arroja-se rugindo Aos loucos roncos vagalhões do Oceano. A Pororoca o estrondo repetindo Eternamente do combate insano!... Emílio de Meneses

A CHEGADA

Imagem
Noite de chuva tétrica e pressaga. Da natureza ao íntimo recesso Gritos de augúrio vão, praga por praga, Cortando a treva e o matagal espesso. Montes e vales, que a torrente alaga, Venço e à alimáría o incerto passo apresso. Da última estrela à réstia ínfima e vaga Ínvios caminhos, trêmulo, atravesso. Tudo me envolve em tenebroso cerco D'alma a vida me foge, sonho a sonho, E a esperança de vê-la quase perco. Mas uma volta, súbito, da estrada Surge, em auréola. o seu perfil risonho, Ao clarão da varanda iluminada Emílio de Meneses

VIDA NOVA

Imagem
De uma vida sem fé de nebuloso inverno, Furtei-me sacudindo o gelo da descrença. Aquece-me outra vez este calor interno, Esta imensa alegria, esta ventura imensa. Sinto voltar de novo a minha antiga crença, Creio outra vez no céu, creio outra vez no inferno, Na vida que triunfe ou na morte que a vença Creio no eterno bem, creio no mal eterno! E quando enfim do corpo a alma for desgarrada E procure entrever a região constelada Que aos bons é concedida, esplêndida a irradiar, Ao coro festival de um hino triunfante Abra-se a recebê-la, olímpico e radiante Todo o infinito céu do teu sereno olhar!... Emílio de Meneses

MATINA

Imagem
Noite! Cesse o teu ar imoto e quedo! Quero manhã! todos os sons que vazas! Fujam do ninho ao lépido segredo Todas as bulhas de reflantes asas. Sol! tu que a terra fecundando a abrasas. Desce da aurora em raio doce e a medo, Todas as luzes travessando o enredo Diáfano e leve das nevoentas gazas. Telas festivas deslumbrai-me a vista! Cantos alegres desferi-me em roda Em toda a luz, em todo o som que exista. E a natureza toda em harmonia, Iluminada a natureza toda, Surja gloriosa no raiar do dia. Emílio de Meneses

GOTA D’ÁGUA

Imagem
Olha a paisagem que enlevado estudo!... Olha este céu no centro! olha esta mata E este horizonte ao lado! olha este rudo Aspecto da montanha e da cascata!... E o teu perfil aqui sereno e mudo! Todo este quadro que a alma me arrebata, Todo o infinito que nos cerca, tudo! D'água esta gota ao mínimo retrata!... Chega-te mais! Deixa lá fora o mundo! Vê o firmamento sobre nós baixando; Vê de que luz suavíssima me inundo!... Vai teus braços, aos meus, entrelaçando, Beija-me assim! vê deste azul no fundo, Os nossos olhos mudos nos olhando!... Emílio de Meneses

Perderás de mim

Imagem
VII Perderás de mim Todas as horas Porque só me tomarás A uma determinada hora. E talvez venhas Num instante de vazio E insipidez. Imagina-te o que perderás Eu que vivi no vermelho Porque poeta, e caminhei A chama dos caminhos Atravessei o sol Toquei o muro de dentro Dos amigos A boca nos sentimentos E fui tomada, ferida De malassombros, de gozo Morte, imagina-te. Hilda Hilst Da Morte. Odes Mínimas (1979)

Pertencente te carrego...

Imagem
III Pertencente te carrego: Dorso mutante, morte. Há milênios te sei E nunca te conheço. Nós, consortes do tempo Amada morte Beijo-te o flanco Os dentes Caminho candente a tua sorte A minha. Te cavalgo. Tento. Hilda Hilst Da Morte. Odes Mínimas (1979)

Demora-te sobre...

Imagem
II Demora-te sobre a minha hora. Antes de me tomar, demora. Que tu me percorras cuidadosa, etérea Que eu te conheça lícita, terrena Duas fortes mulheres Na sua dura hora. Que me tomes sem pena Mas voluptuosa, eterna Como as fêmeas da Terra. E a ti, te conhecendo Que eu me faça carne E posse Como fazem os homens. Hilda Hilst Da Morte. Odes Mínimas (1979)

Nuns atalhos da tarde...

Imagem
LXVI Nuns atalhos da tarde Vivendo imensidão Minha alma disse a mim Rica de sombras: Não pertencida. Exilada dos sóis Das outras vidas. Hilda Hilst Cantares de perda e predileção (1983)

Tens a medida...

Imagem
LXIII Tens a medida do imenso? Contas o infinito? E quantas gotas de sangue Pretendes Desta amorosa ferida De tão dilatada fome. Tens a medida do sonho? Tens o número do Tempo? Como hei de saber do extenso De um ódio-amor que percorre Furioso Passadas dentro do vento? Sabes ainda meu nome? Fome. De mim na tua vida. Hilda Hilst Cantares de perda e predileção (1983)

Cadenciadas...

Imagem
LIII Cadenciadas Vão morrendo as palavras Na minha boca. Um sudário de asas Há de ser agasalho E pátria para o corpo. Anônimo, calado O poeta contempla Espelho e mágoa Fragmentos de um veio Berçário de palavras. Umas lendas volteiam O poeta vazio de seus meios: Escombros, escadas Amou de amor escuro A fugiu de si mesmo De sua própria cilada. O poeta. Mudo. Aceitável agora para o mundo No seu sudário de asas. Hilda Hilst Cantares de perda e predileção (1983)

Teus passos somem...

Imagem
XIX Teus passos somem Onde começam as armadilhas. Curvo-me sobre a treva que me espia. Ninguém ali. Nem humanos, nem feras. De escuro e terra tua moradia? Pegadas finas Feitas a fogo e espinho. teu passo queima se me aproximo. Então me deito sobre as roseiras. Hei de saber o amor à tua maneira. Me queimo em sonhos, tocando estrelas. Hilda Hilst In Poemas Malditos Gozosos E Devotos (1984)

Que este amor não me,,,

Imagem
I Que este amor não me cegue nem me siga. E de mim mesma nunca se aperceba. Que me exclua do estar sendo perseguida E do tormento De só por ele me saber estar sendo. Que o olhar não se perca nas tulipas Pois formas tão perfeitas de beleza Vêm do fulgor das trevas. E o meu Senhor habita o rutilante escuro De um suposto de heras em alto muro. Que este amor só me faça descontente E farta de fadigas. E de fragilidades tantas Eu me faça pequena. E diminuta e tenra Como só soem ser aranhas e formigas. Que este amor só me veja de partida. Hilda Hilst In Cantares do Sem Nome e de Partidas (1995)