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Mostrando postagens de março, 2011

NAU ERRANTE

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Ilusão – nau singrando em ânsia, em sobressalto, O Atlântico da Vida, em constantes boléus... Ondas batem-lhe à popa e ondas tecem, no assalto, Níveas teias de espuma, alvas tramas de véus... Hinos de luz à Fé vagam no ar de cobalto, Os faróis da Esperança olham nos mastaréus, E os mastros subindo alto, ainda mais alto, alto, Como para acender as estrelas nos céus... Vento Sul da Incerteza... Ondas bravas... A Escuna Oscilando... oscilando... E a vela que se enfuna, Branco lenço, no espaço, aos longes a acenar... Ilusão – nau que frui a volúpia das vagas, Que destino, Ilusão, te irá quebrar nas fragas Ocultas na amplidão desse trevoso mar?... Da Costa e Silva

A VIGÍLIA DO SILÊNCIO

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Apraz-me ouvir, às horas vespertinas, Quando o ocaso desmaia o azul sidéreo, O longo cantochão das casuarinas Na religiosa paz do cemitério. As árvores, em múrmuras surdinas, De um rumor elegíaco e funéreo, Falam de coisas mortas e divinas, Veladas pelas sombras do mistério. A perscrutar as vozes do arvoredo, Na ânsia inquietante e céptica do sábio, Tento, ó Morte! saber o teu segredo. Mas vejo, no alvo mármore das urnas, O Silêncio com o dedo sobre o lábio, Olhando as vagas solidões noturnas... Da Costa e Silva

À SOMBRA DO SALGUEIRO...

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Porque fosses o sonho de ventura Que eu tanto ambicionara e conseguira, Nunca julgara, nem jamais previra O transe cruel que agora me tortura. Só a extensão de um grande mal sem cura Poderia mostrar que me iludira; Que a ventura na vida é uma mentira Sempre falaz àquele que a procura. Louco de dor, o espírito delira E a Castália das lágrimas apura A emoção de infortúnio que me inspira... Mas foi tamanha a minha desventura, Que pendurei, muda e quebrada, a lira No salgueiro da tua sepultura. Da Costa e Silva

A LÂMPADA DE PRANTO

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Tíbia a lâmpada apagava-se E, antes que o óleo se extinguisse, Tentei, desolado e triste, Alimentá-la com lágrimas. E ei-la com o bojo ainda úmido De pranto amargo e silente, A alumiar para sempre A solidão do teu túmulo. Nem o vento frio e ríspido A chama oscilante apaga, Porque esta luz é a saudade, E a lâmpada o meu espírito. Da Costa e Silva

À LUZ DO POENTE...

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Há dias que se esquecem de repente Nesta vida de lutas e cuidados; E outros que passam, porém são gravados Na retina e no espírito da gente. De entre os meus dias tristes já passados, Há um que a todo tempo está presente, Pois não me sai dos olhos, nem da mente, Desde o instante em que fomos separados. Se pudesse ser sonho o que se sente, Julgara pensamentos desvairados O que revejo subjetivamente: Vultos negros, solenes, desolados, Levando, lentamente, à luz do poente, Um caixão roxo de florões dourados. Da Costa e Silva

A GRANDE DÚVIDA

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Porque hei sofrido tantos golpes rudes, Às vezes penso que outra vida existe, Para ficar mais cético e mais triste Com o meu destino de vicissitudes. Nem sofrendo, às celestes amplitudes Hei de ascender à altura que atingiste, Por não poder, na prova que me assiste, Aos meus erros opor tuas virtudes. Assim temo, a evocar-te a imagem linda, Que após a morte, venha a eternidade Esta separação tornar infinda... E, então, o sentimento que me invade, Sem a esperança de te ver ainda, É dor eterna, não é mais saudade. Da Costa e Silva

O ETERNO MISTÉRIO

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Desde a a tarde violácea em que partiste Para tão longe, para não sei onde, Eu vivo a interrogar, calado e triste, A natureza que me não responde. Falo à estrela no espaço, à flor na fronde, A perguntar em vão se o céu existe; E tudo que a luz mostra e a treva esconde À voz da minha súplica resiste. Se há um mundo divino, além do humano, Indago; e o vento, as águas, o arvoredo, Têm o mesmo mistério soberano... A vida não revela esse segredo, Que a morte oculta num sombrio arcano, Que enche os homens de dúvida e de medo. Da Costa e Silva

NA TARDE AZUL E TRISTE...

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O meu jardim amanhecera Constelado de brancas margaridas, Que orvalhadas, ao sol, eram estrelas Desencantadas e pensativas... Depois, na tarde azul e triste, A terra abriu-se para receber-te! Adormeceste para sempre, Baixando à terra com as margaridas... E à noite o céu era um jardim do Oriente Florindo em luzes pela tua vinda! Anoitecia no meu pensamento... Da Costa e Silva

SÍNTESE

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Tornei-me espelho do mundo, Desde que o meu pensamento Ficou límpido e profundo Como o azul do firmamento. Da Costa e Silva

ADEUS À VIDA

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É, então, isso a vida: a nau perdida, Sem bússola e sem leme, aos temporais? A flórea escarpa, de íngreme subida, Da montanha dos risos e dos ais? É, então, isso a vida: a flor colhida Sobre abismos ocultos e fatais? A quimera da Terra Prometida, No êxodo eterno para o Nunca-Mais? É, então, isso a vida: o sonho obscuro Dos Ícaros, Jasões e Prometeus, Perdido na celagem do futuro? É, então, isso a vida? — Vida, adeus! Não é esse o caminho que procuro... Mas seja tudo pelo amor de Deus. Da Costa e Silva

O SINAL DA CRUZ

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Se é preciso lutar para ser forte, Se é preciso sofrer para ser puro, Em luta e sofrimento a vida apuro, Para tranquilo merecer a morte. Hei lutado e sofrido de tal sorte Que, a tantas provações, meu ser impuro Sonha atingir a perfeição que auguro Em resignado e místico transporte. A existência de lutas e de penas, Como um cardo florindo entre os abrolhos, Vou bendizendo pelo bem que faço. E quando a morte vier, resta-me apenas Juntar as mãos e levantar os olhos Para o que exista em luz além do espaço. Da Costa e Silva

A ÚLTIMA ILUSÃO

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Sobre o mar de safira, o céu de opala. Uma vela perdida no horizonte, E o azul que foge cada vez mais longe... Ilusão de minh’alma! Da Costa e Silva

O ÚNICO BEM

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Lutei, sonhei, sofri, desde criança, Nesta inquietude, nesta vã tortura De quem jamais consegue o que procura E, se consegue, perde quanto alcança. Já nem me resta ao menos a esperança, Para a ilusão da glória e da ventura; Nem a fé, ante a dúvida, perdura, Desde que o amor, num túmulo descansa. Tanto alcancei, quanto perdi, de sorte Que, em suprema renúncia, a alma vencida Não devera aspirar senão à morte. Mas, como a sorte me foi tão funesta, Aprendi muito mais a amar a vida, Porque é o único bem que ainda me resta. Da Costa e Silva

SOMBRA E NÉVOA

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Cai o crepúsculo. Chove. Sobe a névoa... A sombra desce... Como a tarde me entristece! Como a chuva me comove! Cai a tarde, muda e calma... Cai a chuva, fina e fria... Anda no ar a nostalgia, Que é névoa e sombra em minh’alma. Há não sei que afinidade Entre mim e a natureza: Cai a tarde... Que tristeza! Cai a chuva... Que saudade! Da Costa e Silva

ENTRE CÉU E ABISMO

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A minha vida é um abismo De dúvida e pessimismo, Quando ouço o meu coração. Mas se ouço o meu pensamento, É também um firmamento De fé e resignação. Por isso, entre o céu e o abismo, Com as nuvens do Cepticismo, Meus dias correndo vão... Da Costa e Silva

NÃO DESEJES, NEM SONHES...

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Não desejes, nem sonhes, alma incauta, Que a ilusão tem o encanto da sereia, Que em noites aromais de lua cheia Seduz e perde, em alto-mar, o nauta. Feliz daquele que os seus atos pauta Dentro dos dons da vida que o rodeia, E acha o leito macio e a mesa lauta Na indiferença da fortuna alheia. Feliz de quem, da vida para a morte, Embora pobre, de pobreza triste, Se contenta, afinal, com a própria sorte. Se há ventura no mundo, essa consiste, Talvez, em suportar, de ânimo forte, A renúncia de um bem que não existe. Da Costa e Silva

SUBIA A LUA, LEVE...

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Um luar fluido e veludoso como um bálsamo Ungia a noite voluptuosa e ardente. A sua luz era tão branca que tornava o céu diáfano... Subia a lua leve como o pensamento. Eu dialogava com o silêncio... Uma toada rústica De flautas e violões transportou-me à saudade. E, abstrato de mim mesmo, eu te bendisse, ó música, Que da tristeza de pensar me libertavas! Da Costa e Silva

AS HORAS

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As Horas cismam no ar parado: — Passado. As Horas bailam no ar fremente: — Presente. As Horas sonham no ar obscuro: — Futuro. Da Costa e Silva

A MAGNÓLIA

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Sem paixão plantei-a no meio do jardim. Pesado tributo à insolvência dos dias. Bandeiras de cor verde-ferrugem transeunte natureza de amor desvelam caravela de pássaros e o vento nas ramas alegre o riso na onda: o arco-íris. (Comprei vestidos sem cor e – pelo verão – esperei as vergônteas da morte. A água que bebi era de cinza.) Nuvens se espedaçam inflam botões alvos sorrisos na relva e o chá vertido nas flores bebemos da lembrança. (Se nasceram luas apenas e pétalas decepadas acaso fui eu acaso fui eu?) Dora Ferreira da Silva Poesia Reunida (1999)

JARDIM NOTURNO

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Os mortos chegam pisando com pés de flores tocam violetas temem o brilho das rosas luas de nácar desfazem na grama lúnulas maculas de pólen e as mínimas flores da deslembrança. O silencio agita sombras. O que buscais amados mortos pisando com pés de flores: o odor de dias idos nas magnólias? Raízes de que saudade? Ah delírio de girassol da noite! Só o vento desliza. Os amores-perfeitos (eles buscam) e outros de azulada memória. Dora Ferreira da Silva Poesia Reunida (1999)

O SILÊNCIO

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O silêncio tem uma porta que se abre para um silencio maior: antecâmara do ultimo, que anuncia outro depois. Dora Ferreira da Silva Poesia Reunida (1999)

CHUVA

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CHUVA Estendida a mão obrigou-te a chuva a ser quem és: a do relento, em vésperas, pássaro de beira o pulo no ar realçando o instante. A chuva te abrigou, em concha a palma cheia de estrias, marcando a terra a que pertences. Sua fome devorou-te o excesso e batizou-te: única. Dora Ferreira da Silva Poesia Reunida (1999)

NOTURNO

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Nossos olhos nos pertencem — não o dia. Amor não nos pertence nem a morte. Apenas pousam na pérola mais fina. Desce o luar No flanco de rios precipitados folhas se alongam caules estremecem. A noite já desfere seu punhal de trevas. Dora Ferreira da Silva Poesia Reunida (1999)

À JANELA DA NOITE

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A lua em seu círculo. Piam pássaros da sombra. Meu coração destas raízes, hera escura na solidão de um muro. Cintila a constelação de Andrômeda em sua haste de lágrimas. Nos grãos do vento partiram pombos em tumulto e brancura. Nem a glória nem o lamento: vento e planura. Dora Ferreira da Silva Poesia Reunida (1999)

FANTÁSTICA

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De teia tão fina teci teu rosto no tear dos dias na sala vazia das noites extenuadas em triste vigília pai urdi tua fonte tuas mãos tua melancolia nascida igual na minha boca pai filho imaginário do meu pensamento se te amo tanto entre fronteiras cegas é para compor contigo o vago poema que deixaste incompleto Dora Ferreira da Silva Poesia Reunida (1999)

FLORES

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As flores do inverno vão se abrindo em arbustos sem folhas candelabros de ramos que se aquecem na débil luz que emana das corolas. Falam em surdina, veladas de aroma, as pétalas, bailarinas do pudor, confidenciando nos vórtices secretos dentro da pálpebra do dia sem calor. Dora Ferreira da Silva Poesia Reunida (1999)

DESPEDIDA

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Dizer adeus ao mistério daquela porta cerrada à luz fosca desse dia abandonado. Que severa parecias, longínqua e inviolada flor deste inverno findando. Recolhi-me entre os crisântemos que te vestiam tristonhos: tanto abandono querida uma parede tão dura impermeável ao pranto à ternura levados para te dar. Ao meu sim de desalento nenhuma resposta ou lamento, nada. Teu segredo, só ele persistia. Fiquei noturna, olhando teu esquivo dia. Dora Ferreira da Silva Cartografia do Imaginário, T.A. Queiroz, Editor, 1999

O FOGO

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O fogo acende-se no próprio nome sete línguas ardem no coração da rosa e se alastram pelo jardim voltando depois ao próprio nome. Se ao fogo perguntas: “É ele? És tu?” crepitam centelhas. Um Serafim o abraça e ao coração. Dora Ferreira da Silva

MURMÚRIOS

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Pousa num ramo um sopro de agonia dos que morrem (sem saber) em nosso coração. Suspira a noite no vento vadio. Amados mortos: tentais dizer o quanto amais ainda? Dora Ferreira da Silva

NASCIMENTO DO POEMA

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NASCIMENTO DO POEMA É preciso que venha de longe do vento mais antigo ou da morte é preciso que venha impreciso inesperado como a rosa ou como o riso o poema inecessário. É preciso que ferido de amor entre pombos ou nas mansas colinas que o ódio afaga ele venha sob o látego da insônia morto e preservado. E então desperta para o rito da forma lúcida tranqüila: senhor do duplo reino coroado de sóis e luas. Dora Ferreira da Silva De Andanças (1948)

Vivos e mortos...

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(...) Vivos e mortos perambulam nas estradas um sorriso nos lábios. O que dizem no silêncio agora pleno da alma? Appassionata. O gesto preserva a emoção e o brusco perpassar de folhas mortas. Gemem pássaros noturnos fiéis da madrugada até que o horizonte desperte em sua luz dourada. Dedos da memória afagam e são cruéis: tudo ressurge e se transfigura no que poderia ser se a chuva desabasse. Só os relâmpagos ao longe de raios mudos. (...) De Appassionata São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2007 (obra póstuma)

FRONTEIRAS

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Os cedros, a lua, os túmulos geraram este silêncio, ou do silêncio nasceram cedros, túmulos e lua? Indiscerníveis limites: não podemos saber nunca se triste é este pobre mundo, se nós é que somos tristes. Tasso da Silveira Poemas Tristes – l.966 –

ÚLTIMO SONETO

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Ainda hoje a Vida, a carcereira, deu-me, por entre as grades da prisão, a minha bilha de água verdadeira e o meu pedaço humílimo de pão. A fome fez da minha boca mendigueira uma cítara, e a sede deu-lhe a afinação que têm as folhas outoniças da amendoeira para os dedos sutis da viração. Assim, cada bocado de centeio que trituro nos dentes, sabe-me, antes, a um manjar esquisito e sem igual. E cada sorvo de água, fresco e cheio, vibra em meu paladar cordas ressoantes de secreta lascívia espiritual Tasso da Silveira in Poemas

VINHO

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É Puro o vinho deste odre, vindo de preclaros vinhedos. Apanha-o na taça de ouro, ou no tarro de barro, ou no caneco rústico: - em qualquer humilde vasilha ele te dará sempre o sabor transcendente que trouxe de suas altas origens. Tasso da Silveira in Poemas de Antes

ÁRVORE

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Eu te fui como uma árvore possante, a cuja sombra vieste repousar. Ardia o sol ... Pelo caminho adiante onde teu débil corpo resguardar? Dei-te, em sombra e perfume, nesse instante, toda a minha alma ... E a minha fronde, no ar era um aberto pálio verdejante para te proteger e te salvar ... Mas que bom de velar sobre a fraqueza de alguém que, ingênua e simples, de surpresa, a nós, confiante, e pura, se entregou ... Ah! Nem senti a ventania doida que passou ululando e quase toda minha verde folhagem despencou ... Tasso da Silveira in Poemas

O MISTÉRIO

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Quem sentiu a angústia verdadeira? Quem penetrou o fundo dessa dor? Tomam todos o brilho da lareira pela estrela (tão alta!) do pastor ... Soluçando e cantando é que a alma inteira escondes por orgulho ou por pudor, para guardá-la, assim, da humana poeira, dentro desse mistério redentor! Nunca ninguém te soube ver, disperso no teu canto sentido, a dor que avulta dia a dia ... O secreto, íntimo mal, que é presente e invisível no teu verso, como o perfume de uma flor oculta como Deus na grandeza universal! ... Tasso da Silveira in Poemas

FIO D’ÁGUA

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Fio d’água, humilde e brando, Da transparência dos cristais: Tão claro e límpido vais Cantarolando, Que deixas ver, lá, no fundo, A areia fina alvejando ... Tão diáfano! até parece Que a areia é que vai cantando ... Verso meu, fio d’água oriundo Da fonte da dor ... pudesse (Ai de mim!) Fazer-te tão claro assim, que se visse, lá no fundo, - só – minha alma cantando ou soluçando ... Tasso da Silveira Canções a Curitiba & outros poemas

O LUAR E O CHAFARIZ

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No chafariz o tênue gorgolejo era pura magia. O encantamento enchia a clara noite e, lento, lento, iam surdindo os sonhos, e o Desejo. Mas isto foi no efêmero momento. De há muito a voz calou-se. Agora vejo pedras tombadas, seca a fonte, e o adejo de asas de sombra e de aniquilamento. E o luar, que ao toque mágico da antiga cantiga da água, era também cantiga fluindo, fresca e feliz, do céu profundo, nesta hora triste e trêmula da vida, condensado em lembrança dolorida, é silêncio infinito sobre o mundo. Tasso da Silveira Canções a Curitiba & outros poemas

UM POEMA QUE LI OUTRORA

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A madrugada, fresca e linda, rompendo as trevas, encontrou a Natureza adormecida ainda. Súbito, uma ave, num pipilo límpido e claro, despertou a árvore enorme que lhe dera asilo... E a árvore, comovida, transmitiu à floresta secular o doce frêmito de vida. E floresta levou-o ao céu distante, e o céu mandou-o ao mar... E, assim, no deslumbramento desse instante, toda a Terra, a florir, pôs-se a cantar!... Tasso da Silveira in Poemas

REI DESTRONADO

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Houve um tempo em que o Mar, grandioso e soberano, sobre a terra imperou... Nem valado, nem serra, nem animal, nem flor... Por toda a parte o insano e trágico fragor que o seu rugido encerra. Mas a luta interior, a incandescente guerra, convulsionando o globo – insondável arcano! – numa glória imortal fez exsurgir a Terra, preexcelsa, a dominar sobre a amplidão do oceano!... Hoje procura o Mar, bramindo ansioso e tredo, conquistá-la outra vez... Contra a Terra se lança Mas a Terra lhe opõe o orgulho do rochedo... E, em vagalhões, o abismo, agitado e profundo, ruge de ódio, a lembrar, num clamor de vingança, o áureo tempo em que foi dominador do mundo!... Tasso da Silveira Poemas

LUA...

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Lua! Canção de mágoa, triste endeixa de saudade, no azul do céu perdida... Companheira dos que vão sós na vida, dos que não têm quem lhes escute a queixa... O teu frio palor na alma nos deixa a tristeza profunda e comovida de quando a alguém a eterna despedida vamos levar, e um túmulo se fecha... Errante e só pela infinita altura, há milênios que vens, ó Lua triste, iluminando a humana desventura.. E parece que em ti se congelaram todos os ais de súplica que ouviste e a ânsia dos olhos todos que te olharam... Tasso da Silveira

POEMA

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Das torres de sombra do crepúsculo partem os pássaros. São como setas céleres que vão ferir a nua espádua do dia em fuga, além. Das torres de pedra da urbe oceânica tombam as horas túmidas. São como longas, lentas lágrimas que vão morrer na poeira humílima de um chão de além. Das torres de mágoa da alma trêmula não partem asas fúlgidas nem tombam prantos recônditos. Mas sobe o silêncio trágico para um Além do além. Tasso da Silveira Poemas de Antes – l.966 -

OUTONO

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O outono é pomo... É puro pomo o outono. Pomo de sonho e de recolhimento, pendendo, longe do amargor violento, num perdido pomar de sombra e sono. Há o vento, é certo, o lamentoso vento, uivando, uivando como cão sem dono. E a tristeza passando a passo lento na alameda... E as lembranças. E o abandono. Mas há também, no outono, essa doçura, essa total renúncia de oferenda, esse eterno alheiamento à dor e ao mal, que faz do pomo uma presença pura da bondade de Deus na ânsia tremenda, no degredo da angústia universal. Tasso da Silveira Poemas de Antes – l.966 –

TREVA...

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Acende a lanterna da Tua graça na floresta funda para que eu ache o caminho da Tua casa perdida entre penumbras tão distantes... Acende a lanterna da Tua graça, por que não há trilhos mais ásperos nem mais secretos precipícios do que os da floresta funda. Nem distâncias que se prolonguem tão desesperantemente, nem medo tão longo de ficar-se perdido para sempre... Acende a lanterna da Tua graça, porque para os meus olhos se apagaram todas as paisagens lúcidas. Porque a minha treva transbordou de dentro de mim mesmo sobre as coisas do mundo..." Tasso da Silveira

ENCANTAMENTO

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A tarde jogou os seus sete véus luminosos sobre a montanha, e ficou toda nua dançando com sombras de crepúsculo a escorrerem-lhe, suaves, pela pele dourada... ...e ficou toda nua dançando na campina ao som da harpa encantada do silêncio... Tasso da Silveira In As Imagens Acesas, Poemas

A CANOA

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Rompida de brechas, carcomida por anos sem conta de luta no mar, a velha canoa dos pescadores foi arrastada para a planície, foi exilada em terra firme, longe do mar. Mas veio o crepúsculo, e pôs distâncias no horizonte. E a planície fremiu ansiadamente ... ... como se tivesse vontade de ser água para a canoa navegar ... Tasso da Silveira in Poemas

NOTURNO

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Veleiro ao cais amarrado em vago balouço, dorme? Não dorme. Sonha, acordado, que vai pelo mar enorme, pelo mar ilimitado. Se acaso me objetardes que veleiro não é gente e, assim, não sonha nem sente, sem orgulhos nem alardes eu direi: por que haveria de falar-vos do homem triste mas de olhar grave e profundo que, à amargura acorrentado sonha, no entanto, que vive toda a beleza do mundo? Melhor é dizer: Veleiro... veleiro ao cais amarrado, sob as límpidas estrelas. Vela branca é uma alma trêmula, sobretudo se cai sombra do alto abismo constelado. Veleiro, sim, que não dorme mas na silente penumbra sonha, ao balouço, acordado que vai pelo mar enorme, pelo mar ilimitado. Tasso da Silveira In Tasso da Silveira - Poemas